Entrevista para o Blog “Barão”, do curso Clio/Damásio

 

http://obarao.damasio.com.br/entrevista-com-o-historiador-e-diplomata-luis-claudio-villafane/

 

ENTREVISTA COM O EMBAIXADOR E HISTORIADOR LUÍS CLÁUDIO VILLAFAÑE

 

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Prezadas e prezados,

Em setembro deste ano, foi lançado o livro “Juca Paranhos, O Barão do Rio Branco”, a mais recente biografia de José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912) – o patrono da diplomacia brasileira –, produzido pelo historiador e diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos. A obra, que possui mais de 500 páginas, é resultado de uma extensa pesquisa realizada pelo autor, ao longo de mais de dez anos, e se difere bastante das biografias tradicionais. Isso porque além da notória atuação pública e do imenso legado do Barão para o pensamento diplomático brasileiro, o livro apresenta diversos detalhes da sua vida pessoal e, assim, traça um perfil mais realista desse grande personagem da nossa história.

No último dia 12 de dezembro, essa publicação inédita recebeu da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) o prêmio de melhor livro de 2018, na categoria Biografia/Autobiografia/Memória.

Além da nova biografia, Villafañe tem outros dois livros publicados sobre o Barão do Rio Branco – O Evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira, de 2012, e O Dia em que Adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil, de 2010. Ademais, o historiador já foi examinador da prova de História do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) e é autor de uma série de livros sobre a história da política externa brasileira, que são usados no Curso de Formação dos diplomatas brasileiros, no Instituto Rio Branco (IRBr). Atualmente, ocupa o posto de Embaixador e chefe da missão diplomática brasileira na Nicarágua.

Em virtude desta admirável bagagem, convidei o caríssimo Luís Cláudio para dois dedos de prosa sobre sua experiência como pesquisador, biógrafo e diplomata. Muito gentilmente, ele aceitou o convite e veio compartilhar conosco mais alguns aspectos e detalhes acerca do seu novo livro e também da sua trajetória no Ministério das Relações Exteriores, desde que ingressou na carreira até os dias de hoje. Vejam a conversa completa a seguir e façam proveito, meus caros!

 

Além da recém-lançada biografia do Barão, o senhor já publicou outros livros e diversos artigos sobre a vida e a carreira do patrono da nossa diplomacia. Como esse grande interesse no tema surgiu?
Luís Cláudio Villafañe – Na verdade, em 2010 lancei um livro sobre a relação entre a política externa e a construção da nação no caso brasileiro. O livro tinha uma proposta muito mais centrada em uma discussão teórica. Mas, por sua importância para a diplomacia e para a construção do discurso de política externa, a atuação de Rio Branco tem um papel incontornável nesse debate e acabei, inclusive, intitulando o livro “O Dia em que Adiaram o Carnaval”. O episódio, naquela época, estava meio esquecido e o livro ajudou a popularizar essa história dos dois carnavais de 1912.
A partir daí passei a ser solicitado a escrever mais sobre o Rio Branco e no ano do centenário da morte fui o curador da exposição oficial “Rio Branco: 100 anos de memória” e acabei por publicar, também em 2012, um pequeno ensaio sobre a obra do Rio Branco: “O Evangelho do Barão”.
O passo seguinte, uma biografia de fôlego, ainda que muito trabalhoso, foi em grande medida uma evolução natural.

Ao longo de dez anos pesquisando sobre o Barão do Rio Branco, qual foi a informação mais surpreendente desse período de pesquisa?
L. C. V. – O interessante dessa pesquisa – como em geral de todas pesquisas – é como sua visão vai mudando e sua perspectiva vai se sofisticando ao longo do processo. Na questão das relações com os Estados Unidos, por exemplo, parti de uma interpretação que era a moeda corrente, essa história da “aliança não escrita”, mas hoje possuo uma postura muito crítica a essa ideia.
A centralidade absoluta do Tratado de Petrópolis na obra diplomática de Rio Branco é outro exemplo. No “Juca Paranhos” fica claro que a negociação com o Peru foi duríssima e muito complicada e que a questão do Acre não pode ser analisada sem a compreensão da interligação das discussões de fronteira Brasil-Bolívia-Peru, tomadas como um conjunto e não apenas par a par.
Fatos curiosos e informações, senão inéditas, mas pelo menos esquecidas houve também muitos ao longo da pesquisa: o tratado secreto com o Equador, o “genro espião”, etc. Dei boas risadas em alguns casos.
Enfim, o “Juca Paranhos” é um livro inovador em muitas interpretações e muito rico em informações factuais, além de uma leitura divertida, pois traz histórias ótimas desse grande personagem que é o Barão.

Qual foi a sua principal motivação para escrever uma nova biografia do Barão?
L. C. V. – Como disse anteriormente, acabou sendo uma evolução natural das leituras e pesquisas que venho desenvolvendo. Estou sempre com algum livro em preparação e vários em projeto.

Na sua visão, qual foi a maior contribuição do Rio Branco para o desenvolvimento da política externa brasileira, que persiste até os dias de hoje?
L. C. V. – Rio Branco deu um conteúdo bem definido e estruturou o discurso de política externa no início da República. Seu sucesso fez com que muitos de seus sucessores até recentemente – e, em alguma medida, até hoje – usem a legitimidade que ele alcançou para justificar suas políticas, algumas inclusive que, se bem examinadas, nada tem a ver com as do Barão.
Porém, mais importante do meu ponto de vista, é a lição de que as saídas “fáceis” para questões de política externa podem ter repercussões imensamente deletérias e criar embaraços persistentes.
Veja o caso do Acre. Tomar o território militarmente ou impor uma solução humilhante para a Bolívia teria sido relativamente simples – e o Barão foi duramente atacado pelas concessões que fez. O resultado teria sido um contencioso que se arrastaria no tempo, com uma contaminação interminável das relações bilaterais. O Rio Branco acabou por compor uma solução com a Bolívia e o Peru que permitiu que não ficassem pendências políticas nem ressentimentos paralisadores.

Atualmente, o senhor ocupa o posto de Embaixador na Nicarágua. Qual a importância da América Central para a diplomacia brasileira?
L. C. V. – Todos os países americanos são, em alguma medida, importantes para o Brasil. Naturalmente, a América do Sul e as relações com os Estados Unidos são cruciais, mas tudo não deixa de ser um conjunto e em política externa as coisas não acontecessem isoladamente.

Quais são os principais desafios da política internacional contemporânea, e qual a responsabilidade do diplomata no enfrentamento dessas adversidades?
L. C. V. – A pergunta é excessivamente ampla. O mundo vive uma etapa de rápidas transformações tecnológicas, políticas, econômicas, etc. Os Estados continuam a ser o ator mais importante na gestão de muitos dos problemas que hoje afetam a todos e as diplomacias são o instrumento para se chegar a acordos, seja entre países bilateralmente, seja em nível global. A diplomacia hoje é mais importante do que nunca porque é através dela que os problemas globais se podem encaminhar e estes são maiores do que nunca.

Quando o senhor decidiu que seria diplomata? O que o motivou na época? E o que o motiva atualmente?
L. C. V. – Foi uma escolha um pouco arbitrária. Tinha estudado engenharia, geologia e estava cursando geografia. Depois que entrei para o Instituto Rio Branco fiz o mestrado e doutorado em história, além de uma pós em ciência política. A diplomacia acolhe bem pessoas com interesses diversos e é intelectualmente estimulante – e uma vida interessante, apesar (ou talvez por causa) de suas peculiaridades.

Qual foi o momento mais desafiador da sua carreira? E o mais compensador?
L. C. V. – O maior desafio é o momento em que vivo hoje, como Embaixador em um país que está passando por uma forte crise política, com centenas de mortos e milhares de feridos. A evolução da situação ainda é incerta, mas creio que a Nicarágua vive um momento histórico muito importante.

Se estivesse começando a estudar para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, qual conselho gostaria de receber?
L. C. V. – Ter tranquilidade, sem deixar de se dedicar aos estudos. Procurar, além de cobrir os pontos do extensíssimo programa, fazer boas leituras sobre qualquer tema. Ler é o melhor caminho para pensar, expressar-se e escrever bem. E, além de tudo, uma boa leitura é prazerosa.

Matéria sobre o livro “Yo Pan-amaricanicé” publicada no jornal “El Nuevo Diario”

Manágua, 18 de dezembro de 2018, El Nuevo Diario, 5B

https://www.elnuevodiario.com.ni/variedades/481691-andanzas-ruben-dario-brasil/

Las andanzas de Rubén Darío en Brasil

Obra. El aporte del Príncipe de las Letras Castellanas a la construcción de la identidad latinoamericana, así como sus vivencias durante sus dos viajes a tierras cariocas son contadas en “Yo pan- americanicé. Rubén Darío en Brasil”, el último libro publicado por Luís Cláudio Villafañe. Al recibir la noticia de su nombramiento como embajador de Brasil en Nicaragua, el diplomático e historiador Luís Cláudio Villafañe empezó a preparase para su nuevo puesto, y al estudiar sobre la evolución de la identidad internacional de Brasil se encontró con el poeta Rubén Darío, quien tuvo un papel muy importante en la construcción de la identidad de América Latina.

 

A través de su obra “Yo pan- americanicé. Rubén Darío en Brasil”, Villafañe, quien también es historiador, explica que las identidades culturales son construcciones intelectuales e históricas, y siempre es relacional, o sea, que tiene que ver con el otro. “Uno se identifica como tal y se relaciona al otro. Por ejemplo: soy más alto que fulano”, apuntó. Añade que cuando los países hispanoamericanos se separan de España, el otro es Europa, entonces ser nicaragüense, ser venezolano, ser argentino es no ser español. También cita al historiador inglés Benedict Anderson, quien habla de las comunidades imaginadas. “Los mexicanos leían los diarios de Ciudad de México y podían imaginarse mexicanos, pero si leían los diarios que venían de Buenos Aires era muy difícil imaginarse argentinos. Estaba muy lejos, las situaciones y las noticias llegaban muy tarde. Las condiciones eran muy distintas, entonces la creación de estas identidades se ponía muy difícil”, dijo.

También explica que desde su punto de vista, Brasil no se fragmentó en muchos países porque siguió siendo monarquía por casi 70 años (1822 a 1889) después de la independencia de las Repúblicas Latinoamericanas. Además, la esclavitud se mantuvo hasta 1888 y la República llegó el año siguiente, en 1889, y esto también ayudó a que no se fragmentara.

El historiador y diplomático apunta que al convertirse en República, Brasil cambia su identidad, pero no asume la de sus vecinos, la que quiere construir en ese momento es con Estados Unidos; entonces otra vez se pone en alteridad con los países hispanos, en este contexto llega Darío a esas tierras.  Villafañe señala que los países latinoamericanos ya no ven a Europa como el otro, sino a Estados Unidos, en la medida que lo ven expandiéndose territorialmente en la región. En la construcción de la identidad latinoamericana hay tres intelectuales importantes. El primero es el uruguayo José Enrique Rodó, quien escribió el libro llamado “Ariel”, en 1900; el otro es José Martí, cubano, y el tercero es justamente Darío.

“El libro de Rodó expone la alteridad. El autor utiliza los personajes de ‘La Tempestad’, de William Shakespeare. Ariel es un ángel, y Calibán es el demonio. Rodó toma esta dicotomía; pero Darío ya había anticipado esta comparación, esta metáfora”, señala.

Añadió que Rodó populariza algo que Darío ya había pensado, y era poner a Estado Unidos como Calibán, el demonio; y los países latinoamericanos como Ariel, que representa el alma, el espíritu.

“Con el ensayo: ‘El triunfo de Calibán’, de 1898, Rubén Darío transformó definitivamente el foco de la alteridad de los países hispano y latinoamericanos: los Estados Unidos asumirían, ahora incontestados, la condición del otro que define la identidad de los países latinoamericanos”, dice Villafañe en su obra.

Añadió que como respuesta a esa alteridad amenazadora, Darío contrapone la necesidad de la unión de la raza latina contra el opresor, cuyas intenciones y determinación no estaban siendo comprendidas por las naciones latinas.

Según Villafañe, pocos años después, en 1904, como una reacción al apoyo estadounidense a la independencia de Panamá, él vuelve a insistir en el tema de la alteridad entre América Latina y Estados Unidos en la “Oda a Roosevelt”.

Por otro lado, la idea del panamericanismo empezó a formularse en 1880. Una América en que los Estados Unidos impusieran sus valores y liderazgo sobre las demás naciones del continente. Para llevarla a cabo se realizaron varias conferencias, y en la tercera de ellas, realizada en Brasil en 1906, asistió Darío como secretario de la delegación nicaragüense.

Durante el evento, el Príncipe de la Letras Castellanas, escribió “Salutación al Águila”, un poema muy americanista. Tuvo una reacción muy dura porque quedó al revés todo lo que decía. Villafañe relata que los biógrafos de Darío no consiguen explicar el porqué del poema.

El embajador brasileño considera que es importante explicar el contexto en el que Darío escribe este poema. Durante el viaje de París a Río de Janeiro, el poeta estuvo embarcado con Joaquim Nabuco, embajador de Brasil en Washington, organizador del evento.

“Todo el clima de la conferencia, porque era para celebrar la idea panamericana, choca totalmente con la idea de la alteridad entre Latinoamérica y Estados Unidos. Y lo más interesante es que el jefe de la delegación nicaragüense, Luis Felipe Corea, tuvo miedo de que Darío saliera con cosas muy antiamericanas, entonces lo puso un poco aparte. La situación le creó un gran disgusto (a Darío) y ahí es cuando ve la oportunidad de brillar, de tener un protagonismo, no la desperdicia y escribió un poema muy bonito desde el punto de vista poético: ‘Salutación al Águila”, acotó el embajador.

No obstante, el poema tuvo reacciones negativas, Rufino Blanco Fombona le escribió a Darío una carta donde le dice: “¿Cómo no lo han lapidado a usted, querido Rubén? Lo juro que lo merece. ¿Cómo? ¡Usted, nuestra gloria, la más alta voz de la raza hispana de América, clamando por la conquista? (…) ¡Oh poeta de buena fe descarriada! ¡Por qué canta usted a los yanquis, por qué echa margaritas a los puercos?”.

Villafañe aclara que el encantamiento vivido en 1906 por Darío con las posibilidades del panamericanismo duró poco, pronto se chocó con la realidad del invariable intervencionismo de la política externa americana. En un artículo publicado en “La Nación”, el 28 de septiembre de 1912, titulado “El fin de Nicaragua”, Darío retomó con fuerza y de manera inequívoca su antimperialismo, al advertir sobre la amenaza que pesaba sobre su país.

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Fantasía dariana

Cabe señalar que en el primer viaje de Darío se habla de su relación con la llamada Condesa X. El embajador brasileño manifestó que se dice que cuando el poeta llegó a Brasil, una condesa le invita a su casa, pero ella no estaba, solamente sus libros. Llega el mayordomo y le dice que la casa está a su disposición, al final se encuentra con la condesa en su casa de campo.

“La condesa es una fantasía, porque yo con datos duros, con testigos y documentos sé que estuvo hospedado en un hotel. El día que estaba por salir, donde pudiera haber estado con la condesa, estaba muy enfermo. Entonces esta es toda una fantasía que se ha repetido y repetido y ha ganado aires de verdad. Esta fantasía tendrá su explicación en sus vivencias en una sociedad que venía de la monarquía, entonces había condesas y baronesas”, apuntó.

Añadió que se encontró con datos de una condesa llamada Sylvia Diniz, quien era amiga de Elysio Carvalho, quien también tuvo amistad con el poeta nicaragüense. “Mi suposición es que Darío con su amigo fue a las fiestas de esa señora y quedó encantado, porque era una de las anfitrionas más importantes de Río de Janeiro. Ahí se habrá quedado impresionado y su imaginación de poeta habrá dicho esa historia oralmente a alguien y se repitió. Desde mi punto de vista no es verdadero”, señaló Villafañe.

El embajador explica que antes de que llegara a la conferencia, Darío no era conocido, pero en el segundo viaje en 1912, fue bien recibido por la prensa y él llega a hacer promoción de dos revistas. Además, la Academia Brasileña de Letras homenajeó a Darío en una sesión especial. En esta ocasión también brindó una conferencia acerca de la obra de Nabuco, quien había muerto en 1910.

 

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La obra

El embajador de Brasil explica que su libro tiene dos claves: la primera es la discusión de la identidad latinoamericana y de Brasil, así como el papel de Darío y su poesía. La segunda clave es contar las vivencias de Darío durante los dos viajes que hizo a tierras cariocas y aclarar varios puntos al respecto. Por ejemplo, se cree que él ha venido desde Nueva York a Río, pero venía de París. Además, lo colocan en el viaje en compañía de otros poetas centroamericanos, pero no estaban en el mismo buque.

Villafañe dice que también encontró en los archivos brasileños una fotografía, en la que supuestamente Darío está con Joaquim Machado de Assis, uno de los máximos exponentes de la literatura brasileña, pero al investigar descubrió que no podría ser cierto porque en la fecha que se realizó el poeta ya no estaba en el país sudamericano.

Finalmente, considera que el Príncipe de las Letras Castellanas es muy simpático con Brasil, y le dedica varios poemas, uno de ellos a Machado de Assis. Además, en sus obras, tanto de prosa como de versos, aborda temas como la literatura brasileña de la clase intelectual y la naturaleza del país.

“Yo pan- americanicé. Rubén Darío en Brasil” no se ha presentado ni en Nicaragua, según su autor posiblemente se realice en enero, después de las fiestas de Año Nuevo.

 

Resenha no caderno Aliás, do jornal Estado de São Paulo

https://alias.estadao.com.br/noticias/geral,biografia-avalia-influencia-do-barao-de-rio-branco-na-diplomacia-atual,70002626675

Biografia avalia influência do Barão de Rio Branco na diplomacia atual

O Barão inventou uma tradição diplomática brasileira que, de tão sólida, parece resistir a qualquer grupo que esteja no poder

Marcos Guterman, O Estado de S.Paulo

01 Dezembro 2018 | 16h00

Houve considerável burburinho em torno da nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de ministro das Relações Exteriores do futuro governo de Jair Bolsonaro. As controvertidas opiniões externadas no passado recente por esse jovem diplomata a propósito de grandes questões globais — e do lugar do Brasil no mundo — ganharam enorme destaque, não somente porque serviram para revelar algo do pensamento do futuro chefe da diplomacia nacional, mas principalmente porque, na avaliação de vários especialistas, tal pensamento, se convertido em ação, ameaçaria romper a preciosa tradição diplomática brasileira.

Para começar, Ernesto Araújo manifestou admiração incondicional pelo atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, para o chanceler de Bolsonaro, é nada menos que o salvador do Ocidente – espécie de instrumento de Deus para impedir a completa corrupção dos valores nacionais e cristãos pelo que ele chama de “globalismo”. Diferentemente da globalização, o “globalismo” seria a expressão de um império burocrático supranacional, de inspiração marxista, capaz de ditar normas em outros países, muitas vezes à revelia dos seus povos. Esse império se manifestaria na forma de organizações multilaterais, como a Organização das Nações Unidas ou a Organização Mundial do Comércio, e de entidades políticas, como a União Europeia, mas também na forma de imposição de valores globais supostamente contrários aos costumes mais caros de cada nação. Portanto, não seriam apenas os Estados-nação que estariam sob ameaça; é a própria ideia de família, na acepção cristã e ocidental, que correria risco mortal.

Não é preciso detalhar mais essa visão de mundo para supor que, se transformada em guia da política externa brasileira, faria do Itamaraty algo radicalmente diferente do que é hoje e do que foi quase sempre desde a instauração da República. Por esse motivo, mais do que nunca, é preciso saber que tradição diplomática brasileira é essa para se ter uma noção do que o País está prestes a perder, caso a ideologia antiglobalista seja convertida em orientação oficial para os embaixadores do Brasil ao redor do mundo.

 

Um excelente começo é a leitura do livro Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, biografia daquele que é considerado o fundador da diplomacia nacional tal como a conhecemos. O autor do trabalho é o diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos, que já produziu outras obras importantes baseadas na vida e na trajetória desse imenso personagem da história do Brasil. Seu novo livro, contudo, é bem mais ambicioso, pois está claro que o biografado não é apenas o Barão do Rio Branco, mas a própria doutrina que rege as relações do Brasil com o resto do mundo.

Assim, Villafañe não deixa de contar em detalhes as agruras financeiras do perdulário Juca Paranhos, suas aventuras boêmias no cabaré Alcazar, no Rio de Janeiro, e seu rumoroso relacionamento com uma dançarina belga, com quem teve cinco filhos e cujo matrimônio só oficializou depois de 17 anos de relacionamento. Essas saborosas informações conferem humanidade à imagem do calvo e bigodudo senhor que estampou a cédula de mil cruzeiros, que circulou de 1978 a 1989 e, apropriadamente, era conhecida como “barão”. Mas a biografia de Rio Branco vai muito além das questões pessoais ou de sua fama; lá está a gênese da essência do pensamento diplomático brasileiro.

Essa essência, conforme demonstra Villafañe, está na suposta indisposição atávica do Brasil para o confronto. A genialidade de Rio Branco, a julgar pelo que vai nas páginas dessa biografia, foi a de transformar em virtude a evidente fragilidade brasileira – sempre às voltas com magros orçamentos para o setor de Defesa e com o crônico despreparo de suas Forças Armadas para a eventualidade de uma guerra. Sem ter condições de se impor pela força, a despeito de seu gigantismo, o Brasil de Rio Branco, entre o final do século 19 e o início do século 20, apresentou-se ao mundo como uma nação inclinada à “bonomia”, isto é, com espírito naturalmente voltado para o diálogo.

Ao protagonizar algumas das mais importantes negociações de fronteiras com vizinhos e com as potências imperialistas da época, Rio Branco não somente ajudou a desenhar o Brasil – o que por si só já lhe garantiria um lugar de destaque no panteão nacional –, mas principalmente forjou no imaginário brasileiro a ideia de que o País repudia o uso da força, resolve litígios na base dos acordos, não tem alinhamento automático com nenhum outro país e advoga firmemente pela não intervenção. Foi assim que os países derrotados pela habilidade de Rio Branco nos contenciosos em que ele se envolveu não se tornaram inimigos; ao contrário, são até hoje firmes parceiros diplomáticos e comerciais, sendo a Argentina o caso mais notável.

Tudo isso foi possível porque Rio Branco de fato acreditava que o Brasil podia fazer valer seus direitos territoriais pela via da negociação, bastando para isso construir argumentos sólidos – algo que demandava trabalho árduo, ampla investigação em documentos históricos e profundos conhecimentos geográficos. Rio Branco, ainda antes de se tornar chanceler, havia se revelado infatigável estudioso das questões fronteiriças nas quais se envolveu. Era, no dizer do autor, o “exército de um homem só” da diplomacia brasileira nesses contenciosos. E o resultado de tamanho esforço foi recompensado pelo reconhecimento de seus contemporâneos por seu trabalho como “reintegrador do Brasil”, nas palavras de Rui Barbosa.

Rio Branco, contudo, hesitou em aceitar o cargo de chanceler quando lhe foi oferecido em 1902 pelo então presidente Rodrigues Alves. Ele temia envolver-se na chamada política dos governadores, que deu poder às oligarquias estaduais – algo que Rio Branco, como bom monarquista, abominava. Tornou-se então ministro das Relações Exteriores com o compromisso de servir não aos partidos políticos resultantes daquele arranjo de poder, e sim ao Brasil – ou, ao menos, às suas convicções pessoais sobre o chamado “interesse nacional”, algo que demandaria uma formulação acima das paixões partidárias. Villafañe demonstra que é justamente esse discurso, a que se pode dar o nome genérico de “evangelho do Barão”, que baliza a ideia consagrada hoje no Itamaraty segundo a qual a política externa não pode se dobrar à política partidária e que a diplomacia é atividade para diplomatas profissionais, e não para políticos.

A importância de Rio Branco na definição das fronteiras nacionais e principalmente no estabelecimento de uma doutrina para a diplomacia brasileira, ajudando o País a encontrar seu “lugar no mundo”, fez do Barão uma figura muito popular em sua época, e além dela.

Mas Rio Branco foi um herói improvável. Monarquista empedernido, saudoso dos tempos da ordem emanada da figura do imperador, aceitou trabalhar pelo fortalecimento da nascente República, e o fez no campo em que se revelaria um gigante, isto é, na busca pela paz duradoura com os vizinhos, o que facilitou o desenvolvimento econômico do regime que ele, a princípio, combatia. Também abdicou de seu europeísmo aristocrático em favor de uma aproximação com os Estados Unidos, que ele via como contraponto ao perigoso imperialismo europeu e como natural e necessária “polícia” para enquadrar os países instáveis da América Latina.

No fundo, Rio Branco nunca abandonou uma visão oligárquica do mundo, segundo a qual certos países, por serem civilizados, tinham a prerrogativa de “civilizar” os que teimavam em não compartilhar os valores ocidentais. Portanto, bastava ao Brasil andar na linha – isto é, respeitar e disseminar esses valores – para nada ter a temer em relação aos Estados Unidos. Mas esse pensamento de Rio Branco é fruto tão somente de seu tempo – em que o imperialismo era a norma. Seu legado extrapola em muito essas circunstâncias. Conforme demonstra Villafañe com brilhantismo, o Barão inventou uma tradição diplomática brasileira que, de tão sólida, parece existir desde sempre e resistir a qualquer grupo que esteja no poder – mesmo aos governos do PT, que com tenacidade pretenderam reduzir a política externa aos fundamentos terceiro-mundistas do lulopetismo.

Com Jair Bolsonaro no poder, essa notável tradição será mais uma vez duramente testada.

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