ENTREVISTA PARA “THE PORTUGUESE NEWSLETTER” da “AMERICAN ASSOCIATION OF TEACHERS OF SPANISH AND PORTUGUESE”, Volume 36, number 2, Fall 2023

Texto em pdf

Destaque

Luís Cláudio Villafañe G. Santos por M. Luci De Biaji Moreira

LM – Sr. Luís Cláudio, o senhor poderia falar um pouco sobre sua carreira aos leitores da Portuguese Newsletter? O que o levou a escolher a carreira diplomática?

Luís Cláudio Villafañe G. Santos – Foi, na verdade, algo fortuito. Na universidade, no Rio de Janeiro, comecei estudando engenharia, não gostei. Depois de dois anos mudei para geologia, segui sem gostar. Por aquela época, meu irmão mais velho tinha passado no concurso para o Instituto Rio Branco. Sem muita convicção e sem estudar resolvi prestar o concurso. Sem ter me preparado, não passei, é claro. Mas me saí razoavelmente bem. Daí estudei para valer e acabei passando.

Mudei-me para Brasília e, enquanto estudava para o exame e em paralelo ao primeiro ano do curso do Instituto, formei-me em Geografia—que era uma das matérias que eu mais gostava no colégio—e no segundo ano do curso comecei um mestrado em História. Anos depois fiz o doutorado, também em História, e desde 2002 tenho publicado livros sobre temas de História e, mais recentemente, biografias.

Ou seja, mantive desde o início da minha carreira diplomática uma carreira paralela como historiador e pesquisador. Como diplomata, já levo uma relativamente larga trajetória. Servi em Nova York, Cidade do México, Washington, Montevidéu, Quito e Lisboa. De 2017 a 2022 fui embaixador do Brasil em Manágua e hoje sou o cônsul-geral em Atlanta.

LM – Como o Sr. vê o Brasil no momento atual, do ponto de vista das relações interculturais Brasil e Estados? Até que ponto essas relações afetam o interesse dos norte-americanos pela língua portuguesa?

LCVS – Tanto o Brasil como os Estados Unidos são países muito voltados para dentro, com culturas ao mesmo tempo muito fortes e muito abertas a influências externas e, assim, sempre em constante transformação. O interesse dos estadunidenses pelo Brasil e pela língua portuguesa, naturalmente, variou e continua a variar com o tempo e as conjunturas. De forma mais estrutural, no entanto, entendo que a profunda transformação que a cada vez maior e mais visível presença da população de origem latino-americana traz para a vida estadunidense reforça o interesse pelo Brasil e sua cultura. O interesse pelo português também aumenta na medida em que a língua espanhola se torna cada vez mais difundida. Ademais, a crescente comunidade de brasileiros e seus descendentes nos Estados Unidos contribui cada vez mais como fator de promoção da língua portuguesa. 

LM – Quais são algumas de suas prioridades, como cônsul do Brasil em Atlanta, para os próximos anos, em termos de divulgação e apoio da língua portuguesa e da cultura brasileira na sua jurisdição?

LCVS – Estima-se que haja hoje nos Estados Unidos cerca de 1,9 milhão de brasileiros e seus descendentes. Essa população é, em grande medida, “invisível” por não estar bem caracterizada nos censos e nas estatísticas estadunidenses. É um número em si muito expressivo e ainda mais pelo fato dessa população estar geralmente concentrada em algumas áreas específicas. Parece-me que é o momento de lutar para que nas áreas onde há grande concentração de brasileiros haja um esforço para sensibilizar as redes de ensino público locais a incorporar a língua portuguesa em seus currículos e, mesmo, pensar-se em alguns casos em escolas públicas bilíngues inglês-português, como há inúmeras em que se ensina em inglês e espanhol. Esse esforço passa muito pela necessidade de que os pais dos alunos façam pressão junto às autoridades escolares. No caso específico da minha área de jurisdição, em Alabama, graças ao esforço dos pais, já há ao menos uma escola com programa de português. No caso da Geórgia, onde há mais brasileiros, urge que especialmente no condado de Cobb e, em especial em Marietta, os pais se coordenem para exigir das autoridades escolares programas em língua portuguesa. Engajar o poder público estadunidense, que dispõe de diretrizes e recursos para isso, será fundamental para consolidar o português como língua de herança no caso das crianças de pais brasileiros. 

LM – Vamos falar um pouco sobre o escritor Luís Cláudio Villafañe G. Santos. Dentre os seus livros, há várias biografias. Que desafio um historiador encontra no escrever uma biografia?

LCVS – Há muitas maneiras de escrever uma biografia, apresentar um personagem, suas circunstâncias e seu tempo. A perspectiva da biografia como gênero historiográfico, que eu adoto, concentra-se muito em situar o personagem, suas escolhas, erros e acertos, na perspectiva de seu momento histórico. Assim, por exemplo, biografei dois extraordinários escritores, Euclides da Cunha e Rubén Darío, colocando o foco da narrativa na vida, nas agruras, desafios e na contextualização das decisões, erros e acertos. Em nenhum dos casos, entrei especificamente na discussão do aspecto estético ou linguístico das respectivas obras, mas sim na sua recepção, leitura social e consequências. Do ponto de vista do historiador, a escrita biográfica é muito instigante porque, entre outras coisas, se está explorando aquele tempo passado por meio da experiência de um indivíduo específico. De certa maneira, é enxergar a história pelos olhos de um morto. É um desafio muitíssimo interessante e, se bem logrado, traz ao leitor ou a leitora uma experiência próxima à leitura de um romance.

LM – Euclides da Cunha (Euclides da Cunha: uma biografia, 2021) e Rubén Darío (Divino e infame: las identidades de Rubén Darío, 2023) foram figuras bastante polêmicas em seus respectivos tempos e países. Por que a opção por biografias de tais autores tão diferentes, política e pessoalmente falando?

LCVS – Cada livro tem sua própria história. No caso do Euclides, eu tinha publicado uma biografia de bastante sucesso sobre o barão do Rio Branco (Juca Paranhos, 2018) e o Euclides aparecia como um coadjuvante muito especial nessa narrativa. Ele trabalhou quase cinco anos no Itamaraty e passou pouco mais de um ano na Amazônia contratado pelo Barão. Esse período era praticamente ignorado nas biografias então disponíveis, mas era interessantíssimo. As duas editoras (Companhia das Letras e Todavia) que contatei com um projeto de livro sobre o Euclides no Itamaraty me recomendaram escrever logo uma nova biografia, pois não havia nada recente. Assim, ampliei a pesquisa e acabou saindo a biografia.

No caso do Rubén Darío, ao ser convidado a assumir o cargo de Embaixador na Nicarágua decidi pesquisar nos arquivos brasileiros o que havia sobre as duas passagens do poeta pelo Brasil. Essa pesquisa, complementada por informações que obtive na Nicarágua e outras fontes, resultou em um livrinho que lancei em 2018, em espanhol, por uma editora nicaraguense. Durante essa investigação, dei-me conta de que as biografias que existiam sobre o Darío eram muito desatualizadas metodologicamente, basicamente hagiografias. Assim, parti para o projeto de uma nova biografia, que publiquei recentemente, também em espanhol, pela Pinguim Randon House do México. 

LM – Em que Euclides da Cunha, uma biografia se diferencia de outras biografias sobre o mesmo autor?

LCVS – As diferenças são importantes. Em primeiro lugar, em termos empíricos, eu trago informações sobre a viagem pela Amazônia e sobre os anos que ele passou trabalhando no Itamaraty com um grau de detalhe e profundidade absolutamente inédito. Ademais, na parte mais conhecida de sua trajetória – vida militar, jornalismo, viagem à Bahia, composição de “Os Sertões”, etc. – eu condenso muitas informações e interpretações que, ainda que conhecidas, estavam dispersas e, sem perder de vista a grandeza do personagem e obra, contorno o tom hagiográfico das biografias anteriores. É um trabalho substancialmente distinto das biografias anteriores.

LM – Em Euclides, o senhor menciona as denúncias feitas por Euclides da Cunha sobre as matanças, a escravização de indígenas e a exploração brutal dos seringueiros, após ter regressado da Amazônia, onde passou mais de um ano. Isso o torna muito atual. Por que esse material nunca foi publicado?

LCVS – Após o sucesso estrondoso de “Os Sertões”, Euclides tornou-se obcecado pela ideia de escrever um “segundo livro vingador”, como ele mesmo dizia. A viagem à Amazônia e as injustiças e absurdos que ele testemunhou por lá eram o material que ele tinha para esse projeto ao qual ele dedicou os atribulados últimos anos da sua vida. Contudo, ele acabou morrendo antes de completar o projeto, na tentativa de assassinar o namorado da sua mulher. O livro acabou não escrito, mas alguns artigos sobre o tema que ele publicou em jornais foram depois reunidos no livro póstumo “À margem da História”. 

LM – Qual foi a participação de Euclides no contexto das demarcações e limites das terras brasileiras, em fronteiras com a Argentina, Peru, Uruguai e Bolívia?

LCVS – Euclides teve um papel importante, ainda que pouco conhecido, na definição dos limites com o Peru e, indiretamente, com a Bolívia, além de ter ajudado, como cartógrafo, na retificação da fronteira com o Uruguai. Ademais de comandar a parte brasileira da comissão Brasil-Peru que subiu até às nascentes do rio Purus para subsidiar a negociação de limites, ele trabalhou como cartógrafo para o Itamaraty e à pedido do barão do Rio Branco publicou o livro “Peru versus Bolívia”, que trata dos limites desses dois países no contexto da negociação de suas fronteiras com o Brasil. Finalmente, Euclides é o autor do estudo e do mapa que acompanha o tratado de 1909 que definiu as fronteiras entre o Brasil e o Uruguai. A contribuição do celebrado escritor para a diplomacia brasileira não é, portanto, nada desprezível.

LM – O que significou, para o senhor, recompor o tempo e a contraditória humanidade de Euclides da Cunha? O senhor tem em mente um novo projeto, alguma biografia em vista?

LCVS – É inevitável desenvolver uma intensa empatia pelos biografados, com suas qualidades e defeitos, fracassos e êxitos. Tenho meus três biografados – Rio Branco, Euclides e Rubén Darío – como parte da minha vida pessoal, como amigos que não vejo há muito, mas que preservo vivos na minha lembrança. Há outros personagens que acompanho e que mereceriam ser biografados, como o Duarte da Ponte Ribeiro, um diplomata do século XIX, ou a escritora Júlia Lopes de Almeida, mas esses projetos ainda não estão maduros. No momento, estou publicando um livro sobre história da política externa brasileira “Diplomatas, território e nação”, que estará saindo, no Brasil, no final de 2023 ou no início de 2024 pela Topbooks.

Publicações selecionadas:

Divino e infame: las identidades de Rubén Darío. México: Taurus, 2023 (em espanhol).

Euclides da Cunha: uma biografia. São Paulo: Todavia, 2021.

Yo pan-americanicé – Rubén Darío en Brasil. Manágua: Editorial HISPAMER, 2018 (em espanhol).

Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

O Evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira. São Paulo: Editora da UNESP, 2012.

O Dia em que adiaram o carnaval: política externa e a construção do Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2010.

O Brasil entre a América e a Europa: o Império e o interamericanismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington). São Paulo: Editora UNESP, 2004.

O Império e as Repúblicas do Pacífico: as Relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia – 1822/1889. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 2002.

“Las Relaciones Interamericanas”. In: Enrique Ayala Mora; Eduardo Posada Carbó. (Org.). Historia General de América Latina: Los proyectos nacionales latinoamericanos: sus instrumentos y articulación, 1870-1930. Paris: UNESCO/Editorial Trotta, 2008, v. VII, p. 311-330.

Deixe um comentário