Artigo de Roberto Pompeu de Toledo na revista VEJA

Juca Paranhos, o barão do Rio Branco- artigo de Roberto Pompeu de Toledo na revista VEJA

Uma fábula

Roberto Pompeu de Toledo

VEJA, 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

Em 17 de abril de 1910 entrou festivamente na Baía de Guanabara, vindo dos estaleiros da Inglaterra, o encouraçado Minas Gerais, navio da classe dreadnought, o que havia de mais avançado na época, e sua chegada desencadeou uma onda de patriotismo. Para o jornal O País, o “vulto de aço” da embarcação simbolizava “o Brasil novo, opulento e poderoso que vai na rota de progresso e civilização”. Para a Gazeta de Notícias, incumbiria ao Minas Gerais, “pedaço flutuante da pátria”, levar pelos mares “a força afirmativa da nossa cultura, da nossa grandeza e da nossa civilização”. Contada no recém-lançado Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, exemplar biografia do patrono da diplomacia brasileira escrita por Luís Cláudio Villafañe G. Santos, a história iniciada com a chegada da portentosa embarcação desdobra-se em dois atos e encerra-se como uma fábula.

A causa do reaparelhamento da Marinha brasileira teve em Rio Branco seu mais ardente defensor. A seu ver, tratava-se de contraponto indispensável ao laborioso quebra-cabeça com que negociava nossas fronteiras e toureava as rivalidades e desconfianças com os vizinhos. O governo brasileiro decidiu jogar alto, e optou por encomendar logo três dreadnoughts, a nova maravilha dos mares, lançada em 1906 pela Inglaterra. Em especial, naqueles anos, preocupavam a superioridade militar da Argentina e as pretensões do Peru a nacos do território brasileiro. Por questão de custo, a encomenda foi reduzida a dois, mas ainda assim causava furor. À chegada do Minas Gerais, o primeiro deles, as celebrações incluíram uma canção que aproveitava a melodia da italiana Vieni sul Mar, para honrar o navio com o estribilho, “Oh, Minas Gerais”. (Com letra modificada, em anos posteriores a canção passaria a celebrar o Estado de Minas Gerais.)

O segundo dreadnought, batizado São Paulo, chegou em outubro, bem a tempo de ser incluído no elenco no ato 2 da nossa fábula. Em 22 de novembro, aproveitando-se da ausência do comandante, João Batista das Neves, que saíra para jantar num navio francês em visita ao Rio, a tripulação do Minas Gerais apoderou-se do navio. Ao voltar a bordo, Neves foi saudado aos gritos de “Abaixo a chibata” e morto ao tentar uma reação.

Os navios iam e vinham, exibindo as bandeiras vermelhas da insurgência

A insubordinação dos marinheiros, remoída por anos, explodira ao impacto das 250 chibatadas aplicadas na antevéspera a um companheiro. A Revolta da Chibata espalhou-se por outros cinco navios estacionados na Baía de Guanabara. A fina flor da Armada brasileira passara às mãos da chucra marujada, sob o comando de João Cândido, o “Almirante Negro”, como seria apelidado.

Que fazer? Os navios iam e vinham nas águas da baía exibindo as bandeiras vermelhas da insurgência. O governo manteve-se pasmo e paralisado até o dia 25, quando se decidiu pelo ataque aos rebeldes. “Rio Branco se desesperou”, escreve Villafañe Santos. “Assustava-o a perspectiva de ver os principais navios da Armada brasileira destruídos e, em consequência, o Brasil, outra vez, em total inferioridade de meios militares frente a seus vizinhos.” O chanceler chegou a procurar o oficial encarregado do ataque, na tentativa de dissuadi-lo. Afinal, o destino inglório de ver os dreadnoughts, tinindo de novos, arrasados pelas próprias forças a que deviam integrar-se foi evitado depois de negociações no Congresso que incluíram, no dia 26, a promessa de anistia aos revoltosos.

A promessa não foi cumprida. Dois dias depois a repressão já começava a baixar sem piedade contra os amotinados — mas essa é outra história. Interessa-nos o contraste entre o sonho de potência de abril de 1910, à chegada do Minas Gerais, e a realidade de uma Marinha que tratava os marujos a chibatadas, exposta em novembro. “O episódio conta muito sobre a ilusão de modernidade e prosperidade de um país no qual pouco mais de um par de décadas antes a posse de outros seres humanos era legalizada e cuja economia se baseava na exportação de uns poucos produtos agrícolas”, escreve o autor do livro. A frustração bateu forte em Rio Branco. Um contemporâneo, Carlos de Laet, data daí a decadência física que o levaria à morte, um ano e dois meses depois.

Outras histórias oferecem morais já prontas à fábula que poderia ter por título “O dreadnought e a chibata”. O rei estava nu, caberia dizer, ou: o ídolo tinha pés de barro. Formulemos a nossa própria moral. Brincar de “Brasil novo, opulento e poderoso”, orgulhoso “da nossa cultura, da nossa grandeza e da nossa civilização” (para repetir os arroubos ufanistas na chegada do Minas Gerais), só vale quando se traz o povo junto.

Publicado em VEJA de 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619

Nota na coluna “Painel das Letras”

Coluna “Painel das Letras”, de Maurício Meireles

Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 2019

 

Euclydes da Cunha vai ganhar nova biografia

 São Paulo. O escritor Euclydes da Cunha, autor de “Os Sertões” e homenageado da Flip neste ano,  ganhará uma nova biografia em 2020.

O diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos, que lançou no fim do ano um livro sobre a vida do barão do Rio Branco, pela Companhia das Letras, acaba de fechar um contrato com a Todavia para uma biografia do escritor.

As novidades, promete o autor, virão do arquivo do Ministério das Relações Exteriores. Santos quer escrever sobre a relação de Euclydes com o Itamaraty e com o Barão, além de revisar a documentação já conhecida.

“Quando você fala de Euclydes, as pessoas se lembram de ‘Os Sertões’e da tragédia [quando o autor foi morto pelo amante da mulher, em 1909]. Gostaria de iluminar outros pontos da biografia dele”, diz o biógrafo.

RESENHA NO JORNAL VALOR ECONÔMICO

Matéria no jornal Valor Econômico, 10 de janeiro de 2019

https://www.valor.com.br/cultura/6059673/rio-branco-chegou-pagar-jornalistas-para-falarem-bem-de-sua-politica#

 

DINHEIRO HAJA, SENHOR BARÃO

Por Matías Molina

 

Dom Pedro d’Alcântara, o antigo imperador dom Pedro II, morreu no exílio em Paris na madrugada de 5 de dezembro de 1891. O “Jornal do Brazil” publicou a notícia com grande destaque no dia seguinte, mas sem indicar o nome do autor.

Décadas mais tarde, no suplemento especial que comemorava seu 70o aniversário, o jornal revelou que a informação da morte de dom Pedro II, publicada em primeira mão, fora enviada de Paris, por telegrama, pelo correspondente, Ferdinand Hex. O que o suplemento não disse é que esse era um os pseudônimos do Barão do Rio Branco. E a afirmação de ter dado a notícia “em primeira mão” é exagerada; foi publicada por todos os diários; no “Jornal do Commercio” de maneira mais precisa e com mais detalhes.

Na época José Maria (“Juca”) da Silva Paranhos Júnior, barão do Rio Branco, diplomata sediado em Paris, estava intimamente ligado ao “Jornal do Brasil”, lançado em abril desse mesmo ano de 1891 por seu amigo Rodolpho Dantas, antigo ministro e conselheiro do império, que queria fazer uma publicação de alto nível, no modelo do “The Times” de Londres e “Le Temps” de Paris; Joaquim Nabuco foi o redator-chefe. Seria um jornal feito por monarquistas, mas moderado e tolerante com a República.

Rio Branco, além de escrever com seu nome a série “Efemérides Brasileiras”, e sobre outros assuntos com vários pseudônimos, participou do projeto do jornal e montou e coordenou uma rede de correspondentes e de notáveis colaboradores na Europa. Rodolpho Dantas chegou a oferecer-lhe participação na sociedade. Mas dias depois da edição sobre a morte de dom Pedro, a multidão enfurecida invadiu o jornal aos gritos de “Mata! Mata! Nabuco!”. O ministro da Justiça disse que não poderia garantir a vida de jornalistas monarquistas. Dantas e Nabuco viajaram imediatamente para a Europa. Terminou, assim, a primeira fase do jornal e uma importante etapa das relações de Rio Branco com a imprensa.

O Barão, como era conhecido, marcaria a diplomacia brasileira. Fez acordos de fronteira com os países vizinhos definindo os limites do Brasil. Escreve Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos, autor da obra “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”, que criou uma personagem popular e atraente. Álvaro Lins diz com algum exagero que “conseguiu ser amado pelo povo como talvez nenhum outro homem de Estado no Brasil”. Durante sua gestão, a política externa foi debatida no país com intensidade nunca vista nem antes nem depois.

Álvaro Lins e Luiz Vianna Filho escreveram notáveis biografias de Rio Branco. A recente obra do diplomata e historiador Villafañe G. Santos é das mais completas já publicadas sobre o Barão, a quem já tinha dedicado livros e ensaios, e é certamente a que melhor retrata suas relações com a imprensa, foco desta resenha.

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Para conseguir seus objetivos na diplomacia, Rio Branco recorreu à imprensa, dentro e fora do Brasil. Não apenas com uma prodigiosa produção de artigos e ensaios, como também orientando, persuadindo e comprando sua opinião. Ele percebeu a importância da informação e da opinião pública, quis orientá-la de acordo com sua visão dos interesses do país e não duvidou em recorrer aos cofres públicos para pagar jornais e jornalistas e neutralizar as criticas de oposição.

Como lembrou o economista Eugênio Gudin: “Vi, contudo, mais de uma vez o barão do Rio Branco sair a pé do restaurante Brahma depois de jantar e subir as escadas do ‘Jornal’ (do Commercio), à esquina da rua do Ouvidor, para redigir ou retocar essa ou aquela notícia. Rio Branco dava muita importância à publicidade, conquanto não em proveito próprio. Não hesitava, porém, em gastar, mesmo na imprensa europeia, quando julgava oportuno elevar o conceito do Brasil. Desse e de outros saiu o refrão ‘Dinheiro haja, senhor Barão’, atribuído ao grande presidente Rodrigues Alves”.

O refrão “E… dinheiro haja!” foi utilizado pela imprensa com referência a Rio Branco. O escritor Danton Jobim corrobora esse hábito: “Quem ignora que o grande homem de Estado (Rio Branco) não alimentava o menor escrúpulo em utilizar-se do recurso da subvenção a influentes jornalistas estrangeiros sempre que o aconselha-se o interesse do país?”. Jobim reconhece que “Dinheiro haja” era a alusão obrigatória “aos gastos excessivos com que, segundo a voz corrente, o Barão alimentava sua diplomacia”. Jobim afirma que ele nunca precisou subvencionar jornais brasileiros. Na verdade, foi pródigo e generoso com a imprensa do país.

Se não fosse diplomata, o Barão poderia ter sido historiador ou, mais provavelmente, jornalista. No começo, ele seguiu os passos do pai, José Maria da Silva Paranhos, que foi redator dos jornais liberais “O Novo Tempo” e “Correio Mercantil. Sua coluna, na forma de cartas “Ao Amigo Ausente” no “Jornal do Commercio”, atraiu a atenção de Carneiro Leão, futuro marquês do Paraná, que o convidou para secretariar uma missão brasileira no Uruguai. Ele teria respondido: “Com vossa excelência iria até para o inferno”. Trocou assim o jornalismo pela diplomacia, as ideias liberais pelas conservadoras, recebeu o título de visconde de Ouro Preto (sic) e foi primeiro-ministro.

O jovem Juca Paranhos colaborou com revistas e jornais. Escreveu para a folha ultraconservadora “Vinte e Cinco de Março”, do Recife, de oposição ao governo liberal; foi coeditor, com Gusmão Lobo, do conservador “A Nação”, jornal bem escrito, com elegância de maneiras e seriedade nas discussões, segundo Álvaro Lins, em que comentava a política externa e iniciou a série de artigos “Efemérides Brasileiras”, que continuaria em outros jornais; participou do semanário ilustrado “A Vida Fluminense” com o pseudônimo de “Nemo” com artigos bem-humorados e até debochados sobre temas que iam da política ao Carnaval e a boêmia.

Instalou-se em Liverpool, com a ajuda do pai, como cônsul-geral do Brasil, o cargo mais bem remunerado da administração imperial. De Liverpool, o maior porto do mundo na época partiam os navios com as mercadorias que a Inglaterra exportava ao Brasil. O cônsul nessa cidade recebia uma participação sobre o valor das transações.

O Barão foi escolhido para chefiar a delegação brasileira na Exposição Internacional de São Petersburgo. Os artigos de seu amigo Gusmão Lobo no “Jornal do Commercio” ajudaram. Da Rússia, Rio Branco mandava notícias sobre o grande êxito do pavilhão brasileiro que Gusmão Lobo se encarregava de publicar no “Jornal do Commercio” e distribuir para os outros diários.

De Liverpool e de Paris, onde passou a morar, o Barão continuou colaborando com a imprensa. Escrevia sobre o Brasil para jornais europeus e sobre a Europa para o “Jornal do Commercio”, em cuja orientação procurava influir. Era amigo do seu diretor, Francisco Antônio Picot, a quem dizia: “Conheço por dentro e por fora o seu jornal”.

Em 1902, depois de 26 anos no exterior, o Barão voltou ao Brasil, convidado para o Ministério das Relações Exteriores pelo presidente Rodrigues Alves. Durante as negociações com a Bolívia, para resolver a difícil Questão do Acre, que aumentaria a extensão do Brasil em cerca de 190 mil km2, ele precisava do apoio da opinião pública, mas foi atacado com chocante violência por uma parte da imprensa. Recorreu às arcas do Tesouro.

Seu principal aliado foi o “Jornal do Commercio”, do qual se aproximara de novo depois que deixou de colaborar com o “Jornal do Brazil”. O “Jornal” era o diário mais influente do país. Tinha sido comprado, depois da proclamação da República, por um grupo de investidores liderado por seu amigo José Carlos Rodrigues. O Barão orientava a opinião do “Jornal” sobre assuntos internacionais, inspirando ou escrevendo “Várias” – editoriais – sobre política externa. E lhe passava informações exclusivas; as folhas concorrentes recebiam notícias do governo através do “Jornal do Commercio”, que agia como um porta-voz semioficial.

O Barão conseguiu controlar a opinião de quase toda a imprensa. Uma exceção foi o “Correio da Manhã”, o mais violento e persistente jornal de oposição a todos os governos, de quem recebeu contínuas investidas. Seus artigos eram reproduzidos em outros jornais nas seções pagas de “A Pedidos”. Os mais virulentos ataques partiram de seu diretor e proprietário, Edmundo Bittencourt, e do redator-chefe, Pedro Leão Velloso Filho, que assinava “Gil Vidal”. O “Correio” combateu todos os acordos de fronteiras feitos pelo Barão.

Um diário que apoiava com entusiasmo a política externa, desde que fosse bem pago, foi “O Paiz”, de João Lage, um dos jornais mais venais da história da imprensa brasileira. Numa carta, escreveu ao Barão: “De acordo com os desejos de V. Exa. fiz inserir na folha de hoje o artigo em resposta ao ‘Correio da Manhã’”. Alcindo Guanabara, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, era um voraz devorador de subsídios.

Rio Branco também combinava a divulgação de notícias com a Havas, na prática a única agência que informava sobre o Brasil no exterior e tinha um virtual monopólio da informação internacional que chegava ao país. Orientava também a opinião de alguns jornais na França.

Na polêmica, os jornais chegaram aos insultos. Bittencourt, do Correio adverte a Rio Branco: “pode s. ex. ficar certo de que há de sair daqui corrido, apedrejado” e o acusa, falsamente, de querer restaurar a monarquia.

Para o “Correio”, “O Paiz” era dirigido por dois “meliantes”, “portugueses renegados”, “perseguidos da polícia”; José Carlos Rodrigues, do “Jornal do Commercio”, era “falsário”, ladrão” que fugiu, “mercenário”. “O Paiz” respondia a Bittencourt: “capataz de mato”, “arruaceiro”, “improvisado e ignorantíssimo censor”, “advogado desconhecido e esfomeado”.

Subvenções e pagamentos à imprensa eram uma tradição arraigada desde a época do Império. Quando chefe do gabinete conservador, o visconde de Ouro Preto, pai do Barão (sic), explicou na Câmara que o governo não podia prescindir, em certos casos, dos órgãos de maior circulação, pois de outro modo a sua causa, que era também a causa do país, correria à revelia e os seus atos passariam desfigurados aos olhos de muitos. Confirmou que todos os ministros do Brasil tinham usado desse meio e mandado aos jornais artigos que explicavam e justificavam os seus atos; acrescentou que o gabinete de Zacarias de Vasconcellos também tinha declarado à Câmara que despendera “várias somas” com a publicação de artigos.

Segundo o jornal “O Commercio” de São Paulo, no Brasil a maioria da imprensa estava dividida em duas classes: a primeira gozava direta ou indiretamente dos benefícios do Tesouro, a segunda pretendia gozar deles.

Na República, os presidentes militares Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto não subvencionaram jornais; preferiram censurá-los ou fechá-los. Um presidente civil, Campos Salles, voltou a usar o dinheiro, e não a violência, para garantir a opinião dos jornais, hábito do qual o Barão seria useiro e vezeiro.

Neste livro, Villafañe G. Santos delineia com competência as relações do Barão com a imprensa e a negociação das fronteiras do Brasil. É uma obra bem escrita, fluente, fácil de ler, num estilo coloquial, mas que ocasionalmente pode parecer excessivo: “Era uma bomba. Ao identificar o nome da remetente, José Maria adivinhou que aquela carta (…) vinha recheada de recriminações e lhe despertaria emoções contraditórias”. Ou: “Entardecia e a noite prometia ser fresca…”. É uma técnica mais próxima do romance do que da história.

O livro se apoia em pesquisa sólida, mas há pequenos deslizes. O jornal “La Prensa” de Buenos Aires não era de Estanislao Zeballos, o adversário de Rio Branco nas negociações com a Argentina, mas da família Paz; Zeballos foi contratado como jornalista. No “Jornal do Commercio”, Rio Branco pai escreveu uma coluna de cartas “Ao Amigo Ausente”, não “Cartas a um Amigo Ausente”.

Mais surpreendente é a afirmação de que nos primeiros dias de 1907, Pedro Leão Velloso Filho, editor-chefe do “Correio da Manhã”, que fizera críticas contundentes e ataques pessoais a Rio Branco sob o pseudônimo “Gil Vidal”, sugere passar uma “esponja no passado” e pede emprego para seu filho. Nessa data, porém, Leão Velloso tinha deixado o “Correio”, fora eleito deputado e fundado o “Diário de Notícias”, jornal de vida curta.

O equívoco pode ser atribuído a uma distração do autor. Num longo ensaio sobre Rio Branco e a imprensa, publicado na revista da Academia Brasileira de Letras, muitas de cujas informações foram reproduzidas no livro atual, ele escreve que Leão Velloso já estava no “Diário de Notícias” quando pediu o emprego para o filho. Nesse mesmo ensaio, usa a grafia correta das “Cartas ao Amigo Ausente”.

Há algum episódio impreciso. A respeito da morte de dom Pedro, o autor menciona que em crônica no “Jornal do Brazil” de 22 de dezembro, Ferdinand Hex (pseudônimo de Rio Banco) afirma ter estado presente ao funeral e que em artigos posteriores deixou clara sua presença nas exéquias. Na edição do dia 6 de dezembro – não mencionada pelo autor – o jornal já publicara que Ferdinando (sic) Hex estava presente no momento em que dom Pedro morreu. No entanto, o “Jornal do Commercio” desse mesmo dia não cita o nome de Rio Branco ou de Hex entre as pessoas que estavam na câmara mortuária. Fica uma dúvida difícil de resolver.

O carioca Luís Edmundo escreveu que a “sopa à Leão Velloso”, um caldo espesso com cabeça de peixe e frutos do mar, uma espécie de bouillabaisse brasileira, ainda servida em alguns restaurantes do Rio e São Paulo, fora introduzida por Leão Velloso Filho, o “Gil Vidal” do “Correio da Manhã”. Villafañe Santos diz que o prato é uma contribuição de seu filho, Velloso Neto, à culinária nacional.

Ao ser introduzida a República, o monarquista Eduardo Prado, membro de uma tradicional família paulista, publicou na “Revista de Portugal”, dirigida por ser amigo Eça de Queiroz, seis artigos, de dezembro de 1889 a junho de 1890, nos quais atacava o novo regime, com o pseudônimo de Frederico de S. Foram editados em 1890 em forma de livro com o título, “Fastos da Ditadura Militar no Brasil”. Na opinião de Álvaro Lins:

“Não há, com efeito, na bibliografia brasileira, livro que tanta mereça sobreviver quanto Fastos da Ditadura Militar no Brasil. Representa um modelo pela elegância e vigor da forma panfletária, pela dialética da argumentação, pelo humor, pelos assombros de paixão e anseio de justiça, pela verdade que afirma sem indecisão ou temor”.

Segundo Villafañe Santos e os outros biógrafos, Rio Branco, amigo de Eduardo Prado, teria escrito ou inspirado parte da obra, que foi proibida no Brasil.

 

“Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”

Luís Cláudio Villafañe G, Santos, Companhia das Letras, 559 págs., R$ 84,90