Entrevista no caderno Ilustríssima do jornal Folha de São Paulo

Folha de São Paulo

Caderno Ilustríssima

24 nov 2018

 

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/11/como-o-patrono-do-itamaraty-ajudou-a-maquiar-as-crises-da-republica.shtml

 

Como o patrono do Itamaraty ajudou a maquiar as crises da República

 

Autor de “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco” fala sobre negociação das fronteiras do Brasil

Fabiano Maisonnave

 

Autor de “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”, primeira biografia do diplomata em 60 anos, fala sobre negociações das fronteiras do Brasil e lembra o lado boêmio do patrono do Itamaraty.

 

Na Roma antiga, Terminus é o deus protetor das fronteiras. Foi essa a alcunha escolhida pelo jurista Rui Barbosa para homenagear o seu coetâneo José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco (1845-1912).

Mas a vida do mais notável diplomata brasileiro não se resume às tratativas que asseguraram a incorporação ao país de cerca de 700 mil km2, uma área maior do que toda a região Sul.

Em “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”, primeira biografia do patrono do Itamaraty desde 1959, o diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos, 58, narra a sua vida desde o início da vida adulta à sombra do pai, o influente político conservador visconde do Rio Branco, até os dez anos no comando das Relações Exteriores, quando também cuidou de calibrar a relação com os EUA, precisou contornar disputas com a Argentina e buscou maquiar a imagem da República incipiente, imersa em crises políticas e sociais.

A obra de cerca de 500 páginas tem detalhes saborosos da vida pessoal e diplomática. Boêmio, teve uma tempestuosa relação com a atriz belga Marie Philomène Stevens, para escândalo do pai.

Astuto, empregou o insuspeito naturalista suíço Emílio Goeldi para espionar seus compatriotas que arbitravam a disputa com a França em torno da Questão do Amapá.

Santos, atual embaixador do Brasil em Manágua, na Nicarágua, esmiúça também a visão de mundo de Rio Branco. À frente de um ministério que, no Rio, contava só com 27 funcionários (incluindo o porteiro) em 1903, apostou na diplomacia para encontrar um lugar ao país durante a Era dos Impérios, na periodização consagrada por Eric Hobsbawm.

A seguir, a entrevista de Santos à Folha, por email:

 

Rio Branco era monarquista, filho de um político importante do Império e ainda reteve o título no nome durante a República. O que a sua trajetória revela sobre a transição de regime e o comportamento da elite política da época?

Rio Branco foi um dos protagonistas da consolidação da “República dos Conselheiros”. No plano intelectual, houve uma recuperação de parte dos valores e hábitos do período monárquico. Nos primeiros anos da República, tinha havido um grande empenho em se diferenciar da monarquia e apresentar o 15 de Novembro como uma grande ruptura.

Quando o Barão virou chanceler, em 1902, isso já tinha esfriado e, pouco a pouco, essa ideia de ruptura radical foi sendo matizada e a colonização portuguesa e o Império passaram a ser revalorizados. Rio Branco pode ser visto como um símbolo dessa reacomodação, inclusive porque – como eu mostro no livro – ele trabalhou ativamente na construção dessa narrativa de continuidade de políticas e valores.

 

Depois de obter um cargo no exterior por prestígio do pai, a sua ascensão na diplomacia se deu principalmente pelo excelente desempenho na negociação das fronteiras. Por que ele foi tão exitoso?

Desde menino, ele se interessou pela história e pela geografia do Brasil e na maturidade se tornou um grande erudito.

Com as duas arbitragens em que atuou como advogado aproveitou esse cabedal, mas também soube agir nas demais dimensões da questão: com argumentos jurídicos sólidos e com uma extraordinária capacidade para promover a causa brasileira em todos os contextos.

Na arbitragem sobre o Amapá, por exemplo, ele usou o naturalista Emilio Goeldi como espião para descobrir como os técnicos suíços estavam analisando a questão. Sem que eles soubessem que Goeldi estava sob as ordens de Rio Branco, Goeldi forneceu informações que favoreciam o Brasil a seus compatriotas.

No caso das negociações com a Bolívia e o Peru, mais do que conhecer os antecedentes históricos e geográficos da questão, Rio Branco mostrou grande capacidade política, e não só no plano diplomático. A questão do Acre também foi um intrincado problema de política interna.

 

Há muita especulação sobre a compra do Acre, envolvendo desde suborno ao presidente da Bolívia com um cavalo, versão já mencionada por Evo Morales, até a suposta existência de documentos secretos. Há algo de verídico nesses rumores? Falta esclarecer algo dessa negociação?

Seriam dois cavalos, dados de presente ao general Pando, então presidente da Bolívia, depois de assinado o tratado. É possível – até provável – que em alguma circunstância tenha havido esse gesto.

Trocas de presentes são comuns na diplomacia até hoje, mas isso, se ocorreu, não tem nada a ver com o resultado da negociação. O Arquivo Histórico do Itamaraty está aberto para os pesquisadores há muitos anos e não há documento que indique uma negociação escusa.

O resultado se explica por uma trama intrincada de interesses, inclusive das elites bolivianas, que tinham como objetivo crucial exportar os minérios bolivianos. E, naquele momento, as exportações estavam muito prejudicadas com as disputas com o Brasil e com o Chile, o que dificultava a saída das exportações; daí a ferrovia Madeira-Mamoré e a livre circulação pelos rios brasileiros como moeda de troca.

 

O seu livro também aborda a tensa e menos conhecida negociação com o Peru. O que estava em jogo?

Esse é um ponto importantíssimo. Rio Branco, que se assustou com a possibilidade da não aprovação do Tratado de Petrópolis no Congresso, garantiu publicamente que a questão com o Peru não seria um problema. Mas o Peru queria não só todo o Acre como também parte do sul do estado do Amazonas.

A disputa entre a Bolívia e o Peru sobre quem teria a posse do Acre (entre outros territórios) só acabou em 1909. Com o Tratado de Petrópolis, de 1903, o Brasil poderia ter comprado o Acre de quem não era seu verdadeiro dono e ver-se obrigado a negociar tudo de novo, depois de ter dado 2 milhões de libras e partes do Mato Grosso à Bolívia.

A situação da negociação com o Peru era muito difícil também porque como o Rio Branco havia anunciado publicamente que na disputa com o Peru nosso direito era indisputável, qualquer concessão seria uma derrota política terrível.

Assim, a negociação durou cinco anos e quase houve uma guerra. O Barão chegou a assinar um tratado secreto de aliança militar com o Equador para juntos enfrentarem o Peru, algo que nenhum biógrafo jamais mencionou.

Como disse, no limite, se o laudo arbitral que decidiu a questão entre a Bolívia e o Peru e sobre o qual não tínhamos nenhum controle, tivesse dado todo o território do Acre ao Peru o Tratado de Petrópolis teria sido pior do que inútil; teria dado à Bolívia, a troco de nada, 2 milhões de libras, territórios brasileiros e outras concessões… Imagina o desastre.

Para ocultar essa complicação que, de certa forma, ele mesmo, se não criou, agudizou, o próprio Rio Branco inaugurou uma linha de interpretação historiográfica que trata a negociação com o Peru como algo menor, quase burocrático, e desvinculado da questão com a Bolívia.

 

A negociação do Tratado de Petrópolis ocorreu sob grande polêmica, principalmente pelo Brasil optar pela negociação direta, em vez da arbitragem. Por que o Barão preferiu não seguir o caminho do qual havia saído vitorioso duas vezes?

Havia um tratado anterior, de 1867, entre o Brasil e a Bolívia. Rio Branco preferiu não tentar a sorte em uma arbitragem, basicamente, porque tinha a convicção de que certamente perderíamos a parte sul do Acre, área sobre a qual não haveria nenhuma maneira de interpretar favoravelmente ao Brasil as disposições do tratado de 1867.

Mesmo para o restante do território era muito duvidoso que tivéssemos êxito. A questão está bem desenvolvida no livro. Foi muito difícil convencer a opinião pública e setores da imprensa e da classe política de que, depois de vencer disputas contra a Argentina pelo território de Palmas, contra a França pelo Amapá, e contra a Inglaterra pela ilha da Trindade, poderíamos perder contra a Bolívia. Como se vê, havia falta de bom senso e mesmo um certo preconceito e pouco caso pela Bolívia.

 

O período do Barão no comando da diplomacia ocorreu durante a chamada Era dos Impérios e a ascensão norte-americana. Qual era a visão dele sobre o lugar do Brasil no mundo?

Rio Branco era um conservador e passou um par de décadas na Europa e um par de anos nos Estados Unidos. Em termos gerais, ele compartia a visão de mundo das elites europeias e estadunidenses.

Ele entendia o funcionamento do sistema internacional a partir do domínio das grandes potencias que estabeleciam uma hierarquia entre as nações – ainda que sujeita a alterações no tempo. A posição de cada país nessa hierarquia determinava o conjunto de regras que seriam aplicados a cada caso.

Assim , a África, por exemplo, foi considerada “terra de ninguém” e foi repartida entre as potências. Os países que não atendiam aos critérios de “civilização” – instáveis ou que deixavam de pagar suas dívidas – estavam sujeitos a intervenções consideradas legítimas. Os países “civilizados”, ainda que relativamente menos poderosos, estavam a salvo das expressões mais duras do imperialismo.

Nesse contexto, a preocupação extremada com a imagem do Brasil não era somente uma expressão da vaidade de Rio Branco, pois se constituía em um elemento importante nas relações com as potências.

 

O livro revela que Rio Branco fez rápida fortuna no consulado de Liverpool, de US$ 160 mil a US$ 1,2 milhão em seis anos, em valores corrigidos. Qual é a origem desse dinheiro?

O Estado brasileiro era tremendamente patrimonial. Durante o Império, o grossa da renda arrecadada pelos consulados ia para o bolso dos cônsules. O consulado em Liverpool era um dos empregos mais rendosos do Brasil, pois por aquele porto passava a maior parte dos navios que iam ou vinham do Brasil e ele chefiou o consulado por 19 anos.

Mais rendoso que isso, só a função de ministro em Londres, ocupada por décadas pelo barão de Penedo: ele embolsava – legalmente – uma porcentagem dos empréstimos internacionais tomados pelo Brasil. Quanto mais o país se endividava, mais o Penedo enriquecia.

 

O senhor faz parte do corpo diplomático que o Barão tratou de profissionalizar. Qual é o legado dele para o Itamaraty de hoje?

Em termos objetivos, ter concluído com êxito as questões de limites (terrestres) foi um aporte inestimável. Esse tema segue central e inconcluso em muitos países e, em alguns casos, absorve uma parcela considerável das energias da diplomacia.

Em termos mais amplos, as vitórias do Barão e seu carisma se tornaram uma fonte extraordinária de legitimidade para o Itamaraty perante a sociedade. A ideia de excelência do Itamaraty começou com ele. Até então não havia uma percepção especialmente positiva dos diplomatas ou da diplomacia brasileira.

 

Rio Branco não conseguiu evitar uma corrida armamentista com a Argentina e teve de lidar com várias situações de tensão entre os dois países. O que explica o recrudescimento da rivalidade naquele período?

 

Não se pode dizer que Rio Branco tenha provocado a corrida armamentista entre o Brasil e a Argentina no início do século 20, mas ele era, sim, partidário de que o Brasil recuperasse a preponderância militar na América do Sul que o país tinha desfrutado no Império.

Houve momentos de imensa tensão entre os dois países e chegou a haver um plano na Argentina de fazer uma invasão militar relâmpago do Rio de Janeiro. Uma das poucas críticas que se faz a Rio Branco é que ele poderia ter manejado melhor as relações com Buenos Aires. Eu não só acho que essa crítica procede, como dedico muitas páginas para discutir isso a fundo no livro.

 

O senhor dedica parte do livro para detalhar a relação do Barão com a imprensa. Como ela funcionava na época e de que forma ele usou a seu favor?

A trajetória de Rio Branco no jornalismo foi longa. Ainda como estudante, ele atuou como correspondente de um jornal estrangeiro, isso em 1865.

Depois, foi sucessivamente um combativo jornalista “de oposição”. Cronista social, jornalista “governista”, editor e, na década de 1890, uma das cabeças na fundação do Jornal do Brasil. Ele também cultivou uma relação íntima com o Jornal do Comércio que foi do Império à República.

Como chanceler, ele travou uma verdadeira guerra contra o Correio da Manhã e o seu célebre editor Edmundo Bittencourt; e movimentou – contra ou a favor – a imprensa carioca e brasileira no início do século 20, usando de todos os meios: desde seu carisma a pressões sobre os jornalistas e editores, favores pessoais e mesmo pagamentos a jornais e jornalistas com recursos públicos.

De forma indireta, um dos grandes temas do livro é justamente a relação entre imprensa e poder no jornalismo brasileiro do fim do Império e do início da República.

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Fabiano Maisonnave é correspondente da Folha em Manaus.

 

 

Entrevista para o site da revista Exame

https://exame.abril.com.br/mundo/merito-de-rio-branco-foi-nao-optar-por-saidas-simplistas-diz-biografo/

MUNDO

“Mérito de Rio Branco foi não optar por saídas simplistas”, diz biógrafo

Nova biografia do Barão do Rio Branco, o patrono da diplomacia brasileira, revela a complexidade de lidar com questões internacionais

SÃO PAULO — A vida do diplomata e estadista José Maria da Silva Paranhos Júnior – ou simplesmente Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco – esteve ligada a momentos decisivos da história do Brasil na virada do século 19 para o século 20. Considerado o patrono do Ministério das Relações Exteriores no país, o Rio Branco liderou a defesa do Brasil em uma série de arbitragens internacionais que definiram as fronteiras atuais do território brasileiro. A atuação de Paranhos foi fundamental para que o Brasil tivesse hoje os territórios que formam hoje o Acre, o Amapá e parte do Amazonas e também uma parte da fronteira com a Argentina. São áreas equivalentes a dos três estados da região Sul e mais o estado de Pernambuco.

As vitórias diplomáticas de Rio Branco ocorreram num momento de grande ebulição política no Brasil, logo no início da República. Era um momento em que ainda havia uma resistência muito forte de grupos políticos que apoiavam a monarquia, e o poder da República ainda não estava consolidado. A atuação do Barão do Rio Branco ajudou a unir esses dois principais campos opostos da política brasileira – uma polarização tão ou ainda mais forte como se tem visto atualmente, mais de 100 anos depois.

Por isso, vem em boa hora o lançamento da nova biografia Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco, escrita por Luís Cláudio Villafañe G. Santos e publicada recentemente pela editora Companhia das Letras. Villafañe é diplomata de carreira e historiador e conhece como poucos a história da política externa brasileira. É autor de uma série de livros sobre o tema e tem outros dois livros publicados sobre o Barão do Rio Branco – O Evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira, de 2012, e O Dia em que Adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil, de 2010.

No novo livro, Villafañe explora detalhes da vida pessoal de Juca Paranhos, nascido no Rio de Janeiro em 1845 e morto em 1912, aos 66 anos. O Barão era filho de José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, que era uma importante figura política no Segundo Reinado e chegou a ser inclusive primeiro-ministro. Juca Paranhos cresceu neste ambiente e, como fica claro no livro, sua vida é muito moldada pelos costumes, pelos valores e pelo ambiente político da época do Império. A biografia escrita por Villafañe, mais do que contar a história de um dos personagens mais importantes da história brasileira, é uma janela para os meandros da vida pública e privada no Rio de Janeiro na segunda metade do século 19.

Um exemplo disto é o relacionamento de Juca Paranhos com a atriz belga Marie Philomène Stevens, que trabalhava num cabaré no Rio de Janeiro. O Barão e Marie Philomène tiveram cinco filhos, mas ele demorou anos para se casar com ela e assumi-la como esposa. O pai e a mãe de Rio Branco não aceitavam o relacionamento, porque desejavam que filho se casasse com uma pessoa de uma família rica e nobre. O Visconde do Rio Branco, o pai, era uma pessoa que tinha ascendido na vida. Ele vinha de uma família pobre e conseguiu chegar ao alto escalão do governo. Mas seu sucesso só estaria completo se conseguisse consolidar o sobrenome Paranhos como uma importante família do Império.

“Com o passar do tempo, o Barão desistiu da ideia e acabou se casando com a Marie Philomène”, disse Villafañe em entrevista a EXAME. “Isso é uma coisa que a minha biografia é diferente das demais. Mostro um Rio Branco que muda muito. Ele vai. Ele volta. Ele se arrepende. Ele se reinventa. Ele tenta se regenerar. Em todas as biografias, a imagem que se tem é daquele sujeito que está lá quietinho, no canto dele, escrevendo livros, recolhido, cuidando da vida dele. E aí, de repente, ele é chamado para defender o Brasil numa disputa territorial com a Argentina. É totalmente falsa esta figura do sujeito que está lá recolhido.”

Para Villafañe, a história de Rio Branco joga luz sobre um longo período não só da história do Brasil, como da própria história mundial. Sua vida adulta se confunde com o período que o historiador Eric Hobsbawn chama de “A Era dos Impérios”, quando o mundo era dominado por grandes potências imperiais europeias. Durante a vida de Rio Branco, esse mundo foi chegando ao fim à medida que crescia o papel dos Estados Unidos no cenário internacional e, portanto, é um período de grandes transformações. “O Barão Rio Branco é um sujeito que faz esta ligação entre o Brasil e esse mundo que está em transformação”, diz Villafañe, que concedeu a seguinte entrevista a EXAME, num encontro em São Paulo:

EXAME – O papel do Barão Rio Branco em negociações sobre a fronteira brasileira talvez seja uma das características que os brasileiros em geral mais conhecem sobre ele até hoje. Como esta imagem foi construída?

Quando o Barão do Rio Branco vence a sua primeira disputa com a Argentina em 1895, ele vira um sujeito muito importante da noite para o dia. Porque o Estado brasileiro neste momento estava passando por uma grande crise de legitimidade com a mudança do Império para a República. O Brasil enfrentava também uma grande crise financeira, e passava por um momento de grande desalento e de grande polarização. Esta crise vai se refletir na Revolução Federalista, em que morreram 10 mil pessoas, vai se refletir na Revolta da Armada, e depois vai se refletir em Canudos.

E o que acontece: o Rio Branco tem uma grande vitória sobre a Argentina, num assunto que todas as pessoas concordavam, que é o território, fossem elas monarquistas ou republicanas. Uma coisa que todo mundo podia festejar. E o território é um dos grandes mitos de formação da nacionalidade brasileira. Então isso inclusive vai fazer que o próprio Rio Branco tenha um certo papel como pai da pátria.

Na hora que o Rio Branco tem aquela vitória, o Brasil precisava desesperadamente de heróis. Nesse momento, ele passa da obscuridade total, para a glória.

Para se ter ideia, se somar todos os territórios que o Rio Branco ganhou nas arbitragens, isso equivaleria aos três estados da região Sul – Rio Grande do Sul, Santa Cataria e Paraná – mais a área de Pernambuco.

Era uma bandeira que podia unir todo mundo. 

Exatamente. E o Rio Branco tinha esta coisa que ele não só realizava, mas ele produzia a narrativa das coisas que ele fez. Ele tinha uma atuação muito importante na imprensa e nos seus artigos ele criou interpretações sobre a política externa brasileira, sobre a questão de fronteiras, que não são desafiadas até hoje. E não só pela diplomacia. A academia também repete as interpretações dele de maneira acrítica até hoje.

O que o senhor acha que poderia ser contestado? 

Dou um exemplo. Na questão da fronteira do Acre, o Rio Branco acaba fazendo o Tratado de Petrópolis, que é um tratado muito benéfico para o Brasil. Um tratado muito bom. Mas o problema é o seguinte: todo o território do Acre e mais uma parte do Estado do Amazonas eram disputados também pelo Peru, não só pela Bolívia. E a negociação com o Peru só seria concluída 5 anos mais tarde.

Então, o Rio Branco assinou o Tratado de Petrópolis com a Bolívia, mas podia ter perdido tudo para o Peru. Teria dado à Bolívia 2 milhões de libras, partes do território brasileiro, teria prometido construir uma ferrovia, tudo isso para nada. No momento em que o Tratado de Petrópolis está para ser assinado, ele se assusta achando que o podia não ser aprovado. O que ele faz? Ele faz um tratado militar secreto com o Equador para a atacar o Peru ao mesmo tempo pelo Pacífico e pelo Amazonas, que é uma coisa que nenhum biógrafo cita.

A historiografia brasileira coloca este tratado com o Peru como uma coisa absolutamente burocrática. Não foi bem assim. Não se pode pensar a resolução do Acre sem a do Peru também.

E o que continha a o tratado militar com o Equador? 

É um tratado de guerra contra o Peru. Continha que ele só seria apresentado aos congressos se fosse necessário, na iminência de um ataque militar. E esse tratado foi absolutamente esquecido, porque era secreto. Eu só achei registro dele na historiografia peruana. Porque o tratado era secreto, mas se os peruanos não soubessem, não tinha graça. Então os peruanos souberam e isso ficou registrado.

O embaixador Rubens Ricupero, no livro dele, fala muito sobre o papel da diplomacia na formação do Brasil. E o Rio Branco é um dos atores principais disso. Você concorda com esta tese?

Concordo absolutamente. Publiquei um outro livro em 2010, chamado O Dia que Adiaram o Carnaval, que trata justamente da relação entre a politica externa e a identidade brasileira, que é algo fundamental, em qualquer Estado. No Brasil, como a maioria dos Estados, o Estado precede a nação. A nação brasileira não existia, e é criado um Estado. E o Estado passa a ter um papel importante para legitimar a ideia de nação.

Isso não é uma exclusividade do Brasil?

Não. Ocorre na maioria dos casos. São poucas exceções. O Estado de Israel, por exemplo. Existia uma nação judia, e em algum momento se cria um Estado. Mas a regra é que o Estado precede a nação. E o Brasil não foi diferente. E aí cada pais terá os seus mitos de origem. No Brasil, um mito de origem que é fundamental é o mito do território, de que existiu um Brasil antes de os portugueses chegarem. Que é uma coisa absurda se pararmos para pensar. É uma coisa absolutamente ilógica.

E como se encaixa o papel do Barão do Rio Branco nisso?

Ele teve um papel importantíssimo na questão territorial e na questão da narrativa, porque ele também é um sujeito que vai criar as narrativas. Ele dá o tom do que está acontecendo.

A vida do Rio Branco também serve de uma grande janela para iluminar a relação entre poder e imprensa, do Império até o começo da República. Tem um capitulo que eu conto a briga dele com o jornal Correio da Manhã, que ameaça a investigar a vida pessoal dele. E ele também ataca de volta.

E tem uma outra coisa que decorre daí que é desmitificar essa ideia de unanimidade. O Rio Branco quando morre é uma pessoa imensamente popular, mas não havia uma unanimidade em relação a ele na vida política. Ele sofreu ataque o tempo todo. Ataques às vezes muito duros. Ele esteve para perder o Ministério das Relações Exteriores em algumas ocasiões.

Então como se criou este mito sobre esta unanimidade?

Ele mesmo criou este mito. E outro mito que ele criou é de que o Ministério das Relações Exteriores teria total autonomia. No que se faz ali, ninguém se mete. Não é verdade. Ele era um monarquista conhecido e chega no Itamaraty para trabalhar num governo republicano. Então ele sabe que está num mundo absolutamente desconhecido para ele. Ele tem muito medo, quando chega no Ministério, de encontrar essas pessoas que defendiam a República.

Apesar de ele ter chegado festejadíssimo, ele tem um medo de fracasso imenso naquele momento. E aí, para se livrar da luta política e das críticas dos republicanos, ele criou uma narrativa, que até hoje tem influência, de que a política externa é totalmente separada da política interna. Muita gente ainda diz isto: política externa é uma política de Estado e não tem nada a ver com a política interna.

Esta ideia ainda é muito forte.

Sim. É uma ideia que está no vocabulário político até hoje. E é uma ideia que ele vai criar. Ele não vai criar do nada. É uma defesa para ele. O primeiro discurso que ele faz como ministro no Rio de Janeiro, no dia 2 de dezembro de 1902, ele diz: “Olha, eu vim aqui para tratar de política externa. E política externa não tem nada a ver com política interna. Me afastei da política interna há 26 anos, não vamos mexer com política interna.” Então ele vai criar isso no discurso e depois o discurso é apropriado até pelo próprio Itamaraty.

Como avalia esta divisão que ele acabou criando entre política externa e política interna?

Foi uma coisa instrumental. Obviamente há mediações para que a política interna se transforme em política externa. Mas uma política externa totalmente desligada da política interna não dura duas semanas. A relação entre política interna e externa é absolutamente real. Mas ele conseguiu vender esta narrativa, que até hoje tem muito impacto.

Trazendo para o Brasil de hoje, o que acha que a história do Rio Branco traz de grande ensinamento?

Isso é uma pergunta que fazem. E como historiador tenho grande dificuldade com esta pergunta. O que o Rio Branco acharia da política externa de hoje? Não acharia nada. Ele teria grande dificuldade. O Rio Branco de certa maneira é um estadista do século 19. A visão dele sobre política externa é uma visão mais do século 19 do que do século 20. Por exemplo: qual é a opinião do Rio Branco sobre aquecimento global? Ele não teria nenhuma.

Se o Rio Branco entrasse no Itamaraty hoje e se deparasse com diplomatas mulheres, negros, ele teria uma síncope. Porque um dos critérios para entrar no corpo diplomático na época que ele era chanceler era ser bonito. Ele recusou pessoas por serem feias.

Às vezes as pessoas fazem esta pergunta pensando em mitos. Por exemplo, o mito que o Rio Branco favorecia um alinhamento com os Estados Unidos. Isso é mentira. Quando o Rio Branco morre, quando acaba a gestão dele em 1912, a relação com os Estados Unidos está no pior momento em muitas décadas.

A minha pergunta não era tanto o que o Barão do Rio Branco pensaria hoje da política externa. É mais sobre o que a história dele traz de ensinamento para o que vivemos hoje na política, na economia, na política externa?

Acho que traz muita coisa. Primeiro, procurar entender o jogo da política interna e da política externa de uma maneira mais sofisticada. Ou seja, não existe esta ideia de que se um determinado candidato à Presidência ganhar, ele vai fazer tal coisa ou outra e que não existe nenhuma mediação. Entender os jogos de política interna, no contexto internacional, é um grande ganho.

E o Rio Branco tinha uma visão muito sofisticada. Ele conseguiu manejar bem. Porque, a questão do Acre, por exemplo, era um problema de política externa, mas era um problema de política interna também. Porque o Estado do Amazonas é que tinha promovido a ida dos seringueiros para a Bolívia. O Estado do Amazonas era o maior interessado, porque naquele momento o imposto de importação ia para o cofre estadual. Então o Amazonas queria que o Acre virasse parte do seu território porque ia ficar rico. Quando o Acre passa a ser parte do Brasil, o governo o transforma em território federal e a arrecadação vai para o governo federal.

Além disso, é importante para entender como o cenário internacional também influi sobre o contexto interno. E isso é fundamental no Brasil de hoje, num Brasil em que a gente está cada vez mais polarizado, às vezes com visões cada vez mais simplistas. Recuperar a riqueza e a sofisticação desse jogo talvez seja a maior coisa que se pode trazer para esta releitura da obra do Rio Branco.

O senhor quer dizer que a radicalização tem que se evitada?

Sim. É preciso recuperar o diálogo. E as simplificações a que a nossa política hoje está levando é muito prejudicial. Acho que o grande mérito do Rio Branco foi não ter seguido esta simplificação. Normalmente, as soluções simples não vão funcionam. Elas levarão a problemas maiores.

Por exemplo, na disputa territorial do Acre. Tinha uma imensa população brasileira vivendo num estado estrangeiro. Tinha uma tropa boliviana que estava indo para lá para brigar com eles. O Peru também tinha invadido parte do Acre. Imagina o quão complicado era isso. Imagina se o Brasil partisse para uma solução simplista.

Uma solução fácil teria sido ir à guerra com a Bolívia e depois ter ido à guerra com o Peru. Imagina que tragédia? O Chile e a Bolívia optaram pelo conflito e até hoje estão disputando território. No fundo é uma coisa irresolvida até hoje.

O custo para o Brasil também seria imenso…

E não só isso. Até hoje a gente estaria discutindo com a Bolívia – além de ter morrido um monte de gente ali. A grande lição é esta. Os problemas são complexos. É preciso ter calma, tem que saber jogar. E não foi fácil para o Rio Branco. Ele foi muito combatido. Ele foi atacado pela imprensa. Ou seja, enfrentou um problema complicadíssimo de política interna também.

E a atuação do Rio Branco, sofisticada, sutil, inteligente, conseguiu uma solução sensacional. Portanto, acho que esta é uma lição que a gente precisa sempre e, talvez, precisamos dela hoje mais do que nunca. A gente tem que procurar soluções que perdurem e que não criem outros problemas.

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Resenha do livro sobre Rubén Darío no Brasil, na Folha de São Paulo

FOLHA DE SÃO PAULO

17/11/2018

Impacto das visitas de Rubén Darío ao Brasil é esmiuçado em livro

Diplomata brasileiro lembra passos do poeta e ensaísta nicaraguense, que esteve no país em 1906 e em 1912

Sylvia Colombo

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/11/impacto-das-visitas-de-ruben-dario-ao-brasil-e-esmiucado-em-livro.shtml

 

O nicaraguense Rubén Darío (1867-1916), hoje celebrado como um dos grandes poetas em língua hispânica dos dois lados do Atlântico, tem tido agora sua obra ensaística e jornalística rememorada.

 

Primeiro, em Buenos Aires, onde viveu entre 1893 e 1898, quando escreveu crônicas para o jornal La Nación, há pouco reeditadas, mas também em novas reflexões sobre sua obra realizadas em outros países.

 

Um desses textos é o livro “Yo Pan-americanicé – Rubén Darío en Brasil” (disponível em https://hispamer.online.com.ni), do brasileiro Luís Cláudio Villafañe G. Santos, diplomata e autor do recente “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco” (Companhia das Letras).

No livro, Villafañe relata as duas visitas que Darío fez ao brasil, em 1906 e em 1912. “Contadas muito rapidamente e como algo menor por seus biógrafos tradicionais, são passagens reveladoras de sua personalidade e que impactaram seu modo de pensar”, diz o autor.

Villafañe sustenta a tese de que Darío, ao lado do cubano José Martí (1853-1895) e do uruguaio José Enrique Rodó (1871-1917), formou a tríade de intelectuais que começou a forjar a identidade latino-americana, “não mais em alteridade com a Espanha, mas, a partir de então, em alteridade com os EUA”.

“O Brasil entraria nesse conceito cultural e intelectual de América Latina muito depois, nos anos 1960, e até hoje esse processo não está completo”.

Porém, além da elaboração da tese biográfica, o livro conta algumas anedotas e passagens do autor pelo país que revelam aspectos de sua personalidade. Por exemplo, quando divide uma embarcação para chegar ao pais com Joaquim Nabuco (1849-1910), então uma das principais figuras da intelectualidade brasileira, que num primeiro momento despreza Darío por não saber bem de quem se tratava – embora depois mudasse de comportamento, reconhecendo-o como intelectual. Darío virou fã imediato de Nabuco.

No Rio, Darío transitou entre a elite intelectual de então e terminou por mencionar em seus artigos esse cenário, que incluía Olavo Bilac, Euclydes da Cunha e Machado de Assis. “O que no Brasil é um fato, entre nós são tentativas. O Brasil tem uma literatura, nós não”, escreveria Darío no La Nación.

Para Villafañe, isso era um recado para os argentinos. “Darío estava sempre defendendo que as artes tinham de ter mecenas, e foi isso que ele viu no Brasil, que muitos desses autores eram pagos de alguma forma pelo Estado. No fundo, esse parecia o mundo ideal para ele”, diz o autor.

Sobre Machado de Assis, Darío escreveu um lindo poema (ver íntegra ao final do texto), em que diz: “Doce ancião que vi, em seu Brasil de fogo e de vida e de amor […], aceite esta lembrança de quem ouviu uma tarde, em teu divino Rio tua palavra nobre”.

“Foi de tremendo impacto para ele não apenas o encontro com esses homens letrados do Brasil, mas ficou também muito impressionado com as belezas naturais, como a floresta da Tijuca”, diz Villafañe.

O livro reforça o aspecto cosmopolita deste escritor que se tornaria um dos primeiros latino-americanos verdadeiramente internacionais. “Quando vai viver em Paris, não escreve apenas para os latino-americanos, mas passa a integrar a cena intelectual local, algo que era difícil e em que foi um dos pioneiros”, acrescenta Villafañe.

O cosmopolitismo de Darío começa quando, adolescente, vai viver em El Salvador. Com 19 anos viaja ao Chile, onde escreve algumas publicações e se torna colaborador do La Nación. Por esse diário, é enviado para a Espanha como correspondente, em 1898. Com um pé no mundo diplomático, vira, em 1903, cônsul da Nicarágua em Paris.

A experiência e a vivência em tantas viagens moldaram o poeta e também o cronista e o ensaísta. O que o livro de Villafañe faz é incluir o impacto que o Brasil teve em seu perfil de escritor e pensador de um mundo que vivia um momento de grande transformação e de uma América Latina que buscava desenhar uma nova identidade.

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Poema de Rubén Darío a Machado de Assis

 

Doce ancião que vi, em seu Brasil

de fogo e de vida e de amor, todo modéstia e graça

Moreno que da Índia teve sua aristocracia;

aspecto mandarino, língua de sábio grego.

Aceita esta lembrança de quem ouviu uma tarde

em teu divino Rio tua palavra nobre,

dando ao orgulho todos os farrapos que arde,

e à inveja ruim o que apenas a cobre.

NOVO LIVRO: Rubén Darío no Brasil

Lançado na Nicarágua o livro “Yo Pan-americanicé: Rubén Darío en Brasil”  (Manágua, Ed. HISPAMER, 2018, 179 páginas, ISBN 978-99964-42-94-0).

Escrita em espanhol, a obra trata das duas vistas do poeta nicaraguense Rubén Darío ao Brasil em 1906 e 1912. Na primeira oportunidade, o Príncipe das Letras Castelhanas esteve no Rio de Janeiro como membro da delegação de seu país à III Conferência Pan-americana, tendo interagido com Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Machado de Assis, Fontoura Xavier, Elísio de Carvalho, entre outros brasileiros.

No Ro de Janeiro, em 1906, Darío escreveu o poema “Salutación al Águila” um hino em favor do pan-americanismo, em contradição com toda sua obra anterior e posterior, de marcado tom antiamericano.

Em 1912, já reconhecido pelo público brasileiro, Darío retorna ao Brasil e visita, além do Rio de Janeiro, a cidade de São Paulo.

Além de descrever com detalhes inéditos e corrigir erros factuais e interpretações equivocadas dos mais consagrados biógrafos de Rubén Darío, o livro faz uma resenha da visão de Darío sobre o Brasil e traz o inventário de todas as referências ao Brasil e aos brasileiros na obra do grande poeta e jornalista nicaraguense.

 

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SUMÁRIO

Agradecimiento y fuentes

Presentación

Introducción

Identidades: Rubén Darío y la invención de América Latina

Brasil, Río de Janeiro, 1906: identidades en transformación

Rubén Darío en Brasil antes de 1906

Al mare, con Joaquim Nabuco

Encuentros y desencuentros cariocas

La condesa X

Salutación al Águila

La segunda estancia de Darío en Brasil

El Brasil por la pluma de Darío

El ditirambo brasileño

Conclusión

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Coluna do Elio Gaspari, de 11/11/2018

Um grande Rio Branco

            Está nas livrarias “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”, de Luís Cláudio Villafañe Santos. É uma excepcional biografia do patrono da diplomacia brasileira, uma grande figura (1m82cm), a quem o país deve uma área equivalente à dos estados de Pernambuco, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul somados. Escrita por um diplomata de carreira, mostrou o personagem em sua intrigante grandeza. Retrata um conservador (melhor dizendo, um reacionário). Rio Branco foi monarquista enquanto pôde, achou a Abolição uma coisa precipitada e não gostava de novidades, entre elas os elevadores.

            Juca Paranhos era menor que seu pai, o Visconde de Rio Branco (1m92cm), teve uma juventude boêmia, engravidou, e bem mais tarde, casou-se com uma dançarina de cabaré. Costuma-se lembrar que ele começou a carreira como cônsul em Liverpool, ficando a impressão de que puseram-no no canil. Engano, era o cargo melhor remunerado do Império e Paranhos passava boa parte do tempo em Paris.

            Pesquisa notável, dela surge um Barão mestre da esgrima burocrática, da manipulação da imprensa e do culto à própria glória. Tudo isso a serviço do país, numa época em que as grandes potências retalhavam a África. Morreu no gabinete de trabalho sem fazer fortuna.

            Villafañe Santos desmonta, como “clara mistificação, a ideia de que Rio Branco aproximou o Brasil dos Estados Unidos. A boa relação com Washington já existia.

            Esse grande personagem deixou uma pergunta: Por que o Barão, tendo engravidado a dançarina com quem manteve uma relação de pouco ou nenhum afeto, teve com ela outros quatro filhos?

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Resenha do Embaixador Rubens Ricupero, publicada na Folha de São Paulo

CRÍTICA

Nova biografia renova e vira referência sobre vida do barão do Rio Branco

Obra faz uma síntese atual e completa síntese da vida do patrono da diplomacia brasileira

 

JUCA PARANHOS, O BARÃO DO RIO BRANCO

Preço       R$ 84,90 (ebook R$ 39,90)

Autor      Luís Cláudio Villafañe G. Santos

Editora   Companhia das Letras

Páginas    559

     É possível dizer algo novo sobre personagem cujo nome produz na internet mais de 15 milhões de resultados em 0,39 segundos? A biografia do barão do Rio Branco escrita por L. C. Villafañe G. Santos prova que sim.

Trata-se da mais atual e completa síntese da vida e obra do patrono da diplomacia brasileira. A partir de agora, torna-se referência incontornável para quem quiser compreender a herança do refundado da política externa do Brasil na República.

O que salta aos olhos desde as primeiras páginas é a fluência da narrativa, que surpreende e enreda o leitor. Em cena de romance, o texto se abre com o choque que mudaria a vida de Juca Paranhos: a descoberta da gravidez de Marie, sua paixão de jovem boêmio.

A história do herói avança assim, mesclando ambições pessoais, angústias familiares com o contexto político-social do Segundo Reinado, o tumultuado início da República e as epidemias que dizimavam o Rio de Janeiro.

O passado revive como elemento integral da biografia, não mero pano de fundo. A descrição da renovação urbana da capital não omite, como na maioria dos relatos, quem pagou o preço principal das demolições: os pobres, os ex-escravos, expulsos para a encosta dos morros. O dramático relato da tomada dos encouraçados na Revolta da Chibata põe a nu a ilusão do sonho de potência de Rio Branco e seus contemporâneos.

Como alertou no prefácio, o autor evitou o risco da “ilusão biográfica” denunciado por Pierre Bourdieu, dos personagens exemplares, imutáveis, sempre iguais a si mesmos, imunes a influências e impactos transformadores. Nesse sentido e em vários outros, esta é a primeira biografia do Barão a enquadrar-se no rigor da historiografia do nosso tempo.

O livro é inovador não apenas na reinterpretação de documentos utilizados no passado e na incorporação de novos. Recorrer de forma sugestiva e às vezes quase exaustiva à mina riquíssima dos jornais e revistas.

Explora de maneira original fontes ou episódios antes subestimados ou explorados de maneira superficial. Um exemplo é a utilização de “Dom Pedro 2o, imperador do Brasil”, assinada pelo rabino Benjamin Mossé mas na realidade de autoria de Rio Branco. Devido à duvidosa origem, essa obra de propaganda nunca mereceu atenção especial.

Luís Cláudio, responsável, anos atrás, pela edição do livro em português, compreendeu que, justamente por não levar sua assinatura, o livro havia proporcionado ao Barão liberdade de expressar seu pensamento conservador sobre temas como a monarquia, a crítica ao federalismo e, sobretudo, a escravidão.

Na questão do Acre, chama atenção a justificada importância dedicada ao exame da longa e perigosa pendência com o Peru, os riscos de conflito armado, o tratado de aproximação com o Equador. Mais que nas biografias anteriores, sobressaem o pioneirismo de Rio Branco na valorização da diplomacia pública e o uso que fazia da imprensa.

Dentre os pontos altos da obra merecem relevo as primorosas exposições das grandes questões de limite, o equilíbrio no estudo das difíceis relações com a Argentina e a análise minuciosa da corrida armamentista com nosso principal vizinho.

Nota-se como em todos esses relatos a mão segura do pesquisador treinado, do historiador de sólida formação acadêmica, se enriquece pela trajetória profissional do autor com experiência em postos desafiadores (no momento é nosso embaixador na Nicarágua).

Rio Branco já merecera duas biografias, a de 1945, centenário do seu nascimento, por Álvaro Lins, um dos maiores críticos literários da época; e a de 1959, de Luís Viana Filho, o principal biógrafo brasileiro de então. A primeira acentuava as realizações de Paranhos enquanto a segunda, como o nome indicava, dava ênfase à vida do barão do Rio Branco.

Em síntese à altura desses dois clássicos, Luís Cláudio harmoniza vida e obra, proporcionando-nos a primeira biografia do Barão com olhar contemporâneo e metodologia atualizada.

Permanecerá por muito tempo como a base a partir da qual se renovarão os estudos sobre a influência de uma herança diplomática que faz parte do patrimônio de valores do povo brasileiro.

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